"Um viking do agreste na cadência do samba-de-maresia. Mas Otto Maximiliano não cabe numa linha. Seu samba particular celebra um terreiro sem cordão de isolamento, batucada de bamba que abarca prosa & ritmo. No seu samba cabe a metamorfose do moderno e a bonança sem rótulo do antigo. É o que vemos na trajetória - amplificada nesse DVD - da força desse menino. Bar Avenida, março de 2005, São Paulo. MTV Apresenta Otto. Um show para o conjunto da obra. Festa na pista: “Exu mandou avisar que os anjos do asfalto estão em todo lugar”. O Otto de “Samba Pra Burro” (1998), “Condom Black” (2001) e “Sem Gravidade” (2003), a trilogia de discos de um artista que inventou o seu lugar na MPB pós-vacas-sagradas, está no palco para mostrar como ladrilhou esse caminho. Defende o seu nome, diante de uma platéia que guarda a memória afetiva desse trajeto, com “punch” e dionisismo. Os deuses que dançam agradecem, envaidecidos, só eles merecem as nossas crenças. E quando o maestro Daniel Ganjaman põe na roda a “Ciranda de Maluco”, aqui com um acento proposital de uma “fuleragem” entre o ska e o samba de breque, entende-se muito mais a grandeza de Otto. É como se dissesse: não precisa ser tão sério e solene para tocar fogo no salão e na arte. “Ciranda de maluco aqui em Pernambuco é bom demais”, entoa, dando um nó na geografia para evidenciar uma velha história, saída das aldeias russas: quanto mais regional mais universal. A sonoridade e a educação sentimental dos ouvidos pernambucanos, nordestinos, com a gambiarra eletrônica em voga: sem medo dos guardiões da tradição e muito menos dos “novidadeiros” da modernidade. É assim que a música de Otto ganha o mundo. Desde o primeiro disco, são incontáveis os shows na Europa, o agrado às “oiças” de fora. “Samba, samba, samba, canção barata”. Canta ele na faixa “Bob”, hit do primeiro disco e um dos momentos mais celebrativos do DVD. O argumento do título desse “Samba Pra Burro”, que ouvimos na entrevista aqui contida, é uma mostra do humor, vezes surrealista, nada óbvio, do galego nascido em Belo Jardim e batizado com batuque & voz própria a partir da zoada que trouxe o mangue beat. Ex-percussionista da primeira formação da Nação Zumbi e do mundo livre s/a, Otto não nasceu para ser enquadrado apenas no prefixo “ex”, mesmo ressaltando todo o respeito e agradecimento a esta fase. Queria mais. Fazer a sua história, como vemos aqui nesse DVD com ouvidos bem abertos. Deixou muita gente impressionada, assombro estético para o bem, quando saiu com o “Samba Pra Burro”. Naquela hora, como cabra celebrativo das pistas de dança de um momento de estouro eletrônico em SP, teve no produtor Apolo 9 o homem certo para botar “Pernambuco falando para o mundo”, como diz um slogan lindamente megalomaníaco daquele estado. “Condom Black” trouxe o terreiro para dentro do sound-system, do walk-talkie, das pistas & lares. “Uma orgia sonora”, como definiu o crítico Pedro Alexandre Sanches em texto para a Folha de S. Paulo. Mais para a “chanson” do que para o chacoalho, “Sem Gravidade” tem no DVD, em várias baladas românticas - sem medo do brega como quem não tem medo das cartas de amor, como diria Fernando Pessoa! - uma revisita que só mostra a sua grandeza. Como se as canções carecessem da dramaturgia de palco de um cantor-compositor que busca a delicadeza perdida desse mundo tão grosseiro, como se as canções implorassem a passionalidade infelizmente esquecida em nome da frieza que vai além da simples tradução do estilo “cool”. “Sem Gravidade” aqui tem vida nova, gracias, e dá chance para quem ainda não ouviu a bolacha. O DVD MTV Apresenta Otto, por inteiro, faz justiça e celebra uma bela obra que apenas começou."
Xico Sá |